Ouvi um cara falando. Falava muito. Putz!… Como fala e fala e fala.
“Meu Deus”, pensei, “Será que ele tem consciência do dessabor matinal que ele provoca agora?”
De sua glote barulhenta saia um mundaréu de palavras…. Conseguia vê-las voando, caindo no chão, desmontando-se desoladas, em seu próprio desprezo. Alquebradas, eram palavras-zumbis.
Levantei-me meio zonza, olhei pela janela e consegui focalizar um sujeito que, encerrado em seu mundo, era como um trombone, mas desconfigurado. A boca aberta, em movimentos constantes, simplesmente não parava. Os olhos estavam enfiados na face e longes, muito longes. Percebi que nem os olhos, nem o homem, não estavam mais lá. A única coisa presente era sua boca.
Então pensei: “Mundos e mundos, cada um está no seu. Eu cá, o cara lá, o outro ali, perto. As vezes bem perto. E assim vamos indo, todos juntos-separados, indo”.
Larguei o reclamão lá fora. Melhor, fora de mim.
Fechei os olhos e daquele monte de adubos vocabulares, flores começaram a nascer em meus ouvidos.
Ainda podemos ver uma pessoa alegre pelas ruas e um homem que vomita conceitos chatinhos para o mundo e que passa por ela.
Ainda podemos ver um bêbado alegre que grita pelas portas dos comércios, uma mulher com síndrome de pânico paradona no meio da rua, um maestro que rege uma vida sem sentido, uma tristonha que se protege de seus filhos peçonhentos.
Podemos ver, ainda, dois amigos que param o tempo cumprimentando-se no meio de uma faixa de pedestre, numa avenida movimentada. E lá ficam, conversando.
E mais! Ainda podemos ver um discursista falar para caramba, enquanto cabeças perdidas perambulam pelas veredas de seus pensamentos subvertidos em palavras.
É gente que olha e fala, olha e fala, olha e fala. Gente que olha e espera.
Tudo assim, ao mesmo tempo, acontece. Hoje eu sei que posso ver o que acontece na frente daquelas duas pequenas janelas.
Eles decidiram esquecer o mundo real e deixaram suas cabeças voarem, tornando-se “inúteis” sonhadores.
Girafas metafísicas que tem suas cabeças lá longe! Aonde? Não sei…
Em suas buscas incessantes, costumam encontrar-se com seres fantásticos que se escondem nas paredes meditabumdas de cômodos sombrios.
Gostam de ver as linhas das perspectivas que se formam nos móveis, no momento de um olhar atento a eles.
Transformam os rostos humanos em formas e traços, cores em movimento.
Envolvem-se e deixam-se levar por histórias tão fantásticas, mesmo sendo apenas um fato corriqueiro da vida cotidiana.
Quando nos olham ou ouvem estão, em verdade, olhando o infinito mágico que se deslumbra naquele momento.
Sabem ver nossos olhos e as fontes de energia radiante que brotam dos corações imersos na verdade.
Sonham acordados e vivem sonhadores criando não um, mas diversos mundos paralelos.
Sonham com caracóis que sonham com sonhadores que sonham com caracóis coloridos. Um sonho total.
Doidejam e vivem criando, e criando, curam suas loucuras abarrotadas.
Veem de tudo…
Sabem que existem seres em constante movimento que estão em nossa volta e que plantam pequeninas sementes em uns buraquinhos que existem em nossas cabeças. Na cabeça deles estas sementes brotam e dos buraquinhos nascem cabeças e mais cabeças…
E assim vão indo, entumecidos de ideias e outros mundos de mais cabeças.
E assim, desprendem-se de sua origem essencial e voam longe e mais longe, explorando novos lugares, criando novas sementes, prontas para serem plantadas em novas cabeças.
Tudo vai se repetindo, pois criar é um ato infindável de fazer nascer cabeças sementes que, sem a mente, mentem sobre o real.