Ainda podemos ver uma pessoa alegre pelas ruas e um homem que vomita conceitos chatinhos para o mundo e que passa por ela.
Ainda podemos ver um bêbado alegre que grita pelas portas dos comércios, uma mulher com síndrome de pânico paradona no meio da rua, um maestro que rege uma vida sem sentido, uma tristonha que se protege de seus filhos peçonhentos.
Podemos ver, ainda, dois amigos que param o tempo cumprimentando-se no meio de uma faixa de pedestre, numa avenida movimentada. E lá ficam, conversando.
E mais! Ainda podemos ver um discursista falar para caramba, enquanto cabeças perdidas perambulam pelas veredas de seus pensamentos subvertidos em palavras.
É gente que olha e fala, olha e fala, olha e fala. Gente que olha e espera.
Tudo assim, ao mesmo tempo, acontece. Hoje eu sei que posso ver o que acontece na frente daquelas duas pequenas janelas.
Eles decidiram esquecer o mundo real e deixaram suas cabeças voarem, tornando-se “inúteis” sonhadores.
Girafas metafísicas que tem suas cabeças lá longe! Aonde? Não sei…
Em suas buscas incessantes, costumam encontrar-se com seres fantásticos que se escondem nas paredes meditabumdas de cômodos sombrios.
Gostam de ver as linhas das perspectivas que se formam nos móveis, no momento de um olhar atento a eles.
Transformam os rostos humanos em formas e traços, cores em movimento.
Envolvem-se e deixam-se levar por histórias tão fantásticas, mesmo sendo apenas um fato corriqueiro da vida cotidiana.
Quando nos olham ou ouvem estão, em verdade, olhando o infinito mágico que se deslumbra naquele momento.
Sabem ver nossos olhos e as fontes de energia radiante que brotam dos corações imersos na verdade.
Sonham acordados e vivem sonhadores criando não um, mas diversos mundos paralelos.
Sonham com caracóis que sonham com sonhadores que sonham com caracóis coloridos. Um sonho total.
Doidejam e vivem criando, e criando, curam suas loucuras abarrotadas.
Veem de tudo…
Sabem que existem seres em constante movimento que estão em nossa volta e que plantam pequeninas sementes em uns buraquinhos que existem em nossas cabeças. Na cabeça deles estas sementes brotam e dos buraquinhos nascem cabeças e mais cabeças…
E assim vão indo, entumecidos de ideias e outros mundos de mais cabeças.
E assim, desprendem-se de sua origem essencial e voam longe e mais longe, explorando novos lugares, criando novas sementes, prontas para serem plantadas em novas cabeças.
Tudo vai se repetindo, pois criar é um ato infindável de fazer nascer cabeças sementes que, sem a mente, mentem sobre o real.
As coisas do falar. O coração em oração de um pássaro.
Mais uma vez o eterno falar.
Falar coisas do coração, falar sem falar, falar e viajar de tanto falar e ter no ato de falar uma rica alegoria de pensamentos que se alimentam do próprio ato do falar.
Falar por falar. Falar e nem saber por que falou, mas já falou. O falar desfalando ou refalando o já falado.
Vivo mundos de eternos falares. O vômito do falar se materializa em uma coisa como algo que tem persona.
Existem as línguas bífidas do mal falar e o tão propagado, mas eternamente distraído, ato de ouvir, sem o qual o falar se perderia, mas que, contudo, não o coíbe.
“Vai falando aí que eu já volto….”.
…
Vi um homem meio desfocado, ouvindo os falantes, tentando entendê-los, sem falar nada.
Esse homem segura um pássaro que fala, canta. Ouço que ora ao cantar.
Tem um grande coração no peito que nasce do seu orar cantante.
O mesmo coração que surge no peito daqueles que ouvem aquele que canta.
….
Falas, falas, falas, e ao fim, um único falo, dentro do teu ouvido!
O cara resolveu tirar a vida para interiorizar-se e passa a vida interiorizando-se. Procura em seu umbigo o sentido de sua vida. Procura nos olhos e ouvidos dos outros, um sentido para parecer vivo.
Procura interiorizar-se quando tem gente perto: chegou gente, gente perto, pimba! Interioriza.
Tem moçada que tenta se interiorizar junto com ele, outras ficam discutindo e elucubrando sobre sua interiorização. Outras, porém, vão embora. Seu umbigo em nada interessa.
Quando o cara está almoçando, ele fica interiorizando-se em colheres espelhadas, olhos, pingentes. Mas sua imagem some delas e dele também, pois todos saem e vão embora, depois.
Procura algo fora e dentro de si, mas logo para e fica na espera. Espreita um pouco e some novamente de si. Chega alguém, ele começa a existir, mas sempre meio fora do ser em si.
Ele vive no “só seu”, eterno “só seu”.
Quieto, enfiado, enterrado em si, sumido de si, ainda carrega uma força latente.
Será que, como as sementes, um dia brotará? Com tanta mente em olho-umbigo? Per, si?