Interiorizando-se: Uma questão existencial. Caixas de Histórias.

Peça da Exposição “Histórias do Universo dos Falantes”. Visite!

interiorizando-se-lu-paternostro

Interiorizando-se: Uma questão existencial

O cara resolveu tirar a vida para interiorizar-se e passa a vida interiorizando-se. Procura em seu umbigo o sentido de sua vida. Procura nos olhos e ouvidos dos outros, um sentido para parecer vivo.

Procura interiorizar-se quando tem gente perto: chegou gente, gente perto, pimba! Interioriza.

Tem moçada que tenta se interiorizar junto com ele, outras ficam discutindo e elucubrando sobre sua interiorização.  Outras, porém, vão embora.  Seu umbigo em nada interessa.

Quando o cara está almoçando, ele fica interiorizando-se em colheres espelhadas, olhos, pingentes. Mas sua imagem some delas e dele também, pois todos saem e vão embora, depois. 

Procura algo fora e dentro de si, mas logo para e fica na espera. Espreita um pouco e some novamente de si.  Chega alguém, ele começa a existir, mas sempre meio fora do ser em si.

Ele vive no “só seu”, eterno “só seu”. 

Quieto, enfiado, enterrado em si, sumido de si, ainda carrega uma força latente.

Será que, como as sementes, um dia brotará? Com tanta mente em olho-umbigo? Per, si?

Não sei.

Por Lu Patermostro



Um penetra enxerido: Ele está sempre aí, causando! Caixas de Histórias.

Peça da Exposição “Histórias do Universo dos Falantes”. Visite!

sempre-causando-lu-paternostro

Um penetra enxerido: Ele está sempre aí, causando!

O enxerido é um personagem curioso. É cabeçudo, com grandes olhos e orelhas gigantes! O resto é pequeninho.

Chegadiço e assanhado, é um tipo audacioso, que quer saber de tudo: dos ouvidos das paredes que ouvem, da vida dos vermes entediados que se arrastem em lixos e esquinas solitárias, das janelas, portas ou mesmo caixas vazias meio abertas – não deixa de dar uma espiada, nunca – dos buracos hirtos, calados…

E dos bumbuns alheios, então? Ah! Destes ele é um especialista obstinado – a vida do outro é sua mais sublime especialidade!

Por exemplo, se está trabalhando concentrados e de repente sente uma estranha presença, olhe em volta e vai encontrá-lo em algum canto, nem que seja pendurado no teto, olhando para você, com aquele olhão! Levanta rapidamente as duas sobrancelhas malandras, dá um tchauzinho , e diz com um sorriso maroto e bem desavergonhado, curioso de todo: “Oiii”…

Assim como Jaime Madrox, o “homem-múltiplo”, ele se desdobra em vários. Tem o dom da ubiquidade e, coincidente e curiosamente, está sempre onde a gente está. 

Intrometido nas extensões telefônicas, anexos nos e-mails, como fotos em mensagens; podemos encontrá-los ao longe olhando pelas fechaduras de portas antigas.
Aparecem do nada, como as fumaças que saem de garrafas, aquelas mesmas que abrigam os gênios das lâmpadas mágicas!

Estamos ouvindo música e quando vemos, ele está lá, como um encosto, entremetido, olhando para você e de novo “Oiiii”! 

Vamos sentar num sofá e quase sentamos neles.

Atendemos um celular? Pronto, lá estão eles com seus ouvidos tinindo de lustrosos e bem espichados.

Abrimos a geladeira e lá está o cara oferecido, sorrindo para você com a pergunta: “O que você vai comer?”

Pergunta tudo. Quer saber de tudo. Descobre coisas do nada.

Seus olhos são verdadeiros faroletes, acessos e muito abertos.

E, quando achamos que estão quietinhos, finalmente dormindo … Não estão não… 

Introduzidos em todos os momentos, podem ser até atenciosos ou mesmo adoráveis. Mas, xeretas e oferecidos, no fundo no fundo, não querem mesmo é perder nadica de nada nenhum da vida que é a tua, a do outro, e a de todos os outros!

Por Lu Paternostro



O mágico desenho de um café: Carpem Diem – Os Tranquilões. Caixas de Histórias.

Peça da Exposição “Histórias do Universo dos Falantes”. Visite!

o-magico-desenho-de-um-cafe-lu-paternostro

O mágico desenho de um café: Carpem Diem
Os Tranquilões.

Numa manhã gostosa e ensolarada de inverno, muito cedo, um sabiá bem próximo contava
as nostálgicas histórias de muito tempo, me dirigi a um pequeno café. O café localizava-se no centro de uma cidade grande, muito barulhenta e movimentada.

Sentei-me em uma mesa próxima à porta para poder ver “o lá fora”, quando algo lá dentro me chamou a atenção: pessoas tomavam café, num canto distante, meio escuro. Pareciam diáfanas e emanavam uma estranha serenidade.

Falavam pouco ou quase nada.

Encantada, mas um pouco sonolenta, pensei: “Gozado…”, e olhando melhor, reparei que se movimentavam num outro ritmo, como se seus gestos fluíssem em câmera lenta, deixando um rastro de luz suave!

 “VIxe! Será que eu morri? Devo estar sonhando, sei lá!” Uhhhhhiii! Fiquei gelada com este pensamento!

Olhei em volta e tudo parecia uma ilusão, pois as pessoas que serviam no pequeno café, movimentavam-se normalmente.

Para me certificar, olhei para outros lados, para fora do café, para ver o que se manifestava na tal realidade lá fora. Olhei novamente, um pouco mais. Olhei para mim também: Eu estava lá. Bem, pelo menos é o que parecia.

O mais estranho, é que quando acabavam de tomar seus cafés, chás, chocolates, não sei bem, pediam outro e mais outro, num ritmo constante e alucinantemente lento!

As xícaras vinham e eles vertiam seus líquidos para dentro de si lentamente, constante, confortáveis e presentes na sequência lenta dos seus momentos. Fechavam os olhos deleitando-se com que faziam.  Eu olhava, sem perceber que olhava tudo. Mantinha meus olhos levemente fechados, semicerrados. 

Enquanto isso, iam xícaras, voltavam xícaras num ritmo constante e tão contínuo, que pareciam formar traços de desenhos no espaço. Os líquidos, os brilhos, a fumaça, formavam mais linhas que se misturavam com as bocas também desenhadas em linhas; tudo era como o interminável gesto de um desenhista, gestos que se entrecruzavam lentamente diante de mim e sumiam… Um sumi-ê que sumia!   

O mundo estava lá fora e eu lá, assistia um desenho dinâmico feito por caras, bocas, xícaras, mãos, um desenho perfeito, que se formava e desvanecia continuamente, infinitamente efêmero, tudo dentro daquele pequeno café. Um desenho que existia porque eu estava lá, vendo e sendo apenas enquanto eu via.

Será que era eu quem desenhava tudo aquilo …?

Um desenho pode estar se formando aí, agora, algo mágico, transiente, fugaz.

Um presente, presente no presente.

Então….Carpe diem!

Por Lu Paternostro



Faladores – Para onde vão as Palavras? Caixas de Histórias.

Peça da Exposição “Histórias do Universo dos Falantes”. Visite!

caixas-de-historias-lu-paternostro-01

FaladoresPara onde vão as palavras?

Estava um dia com alguns amigos e, por um breve momento, como costumava fazer quando era jovem, sai fora de mim por um instante. Desta forma, pude observar um pouco mais de longe, o modo como todos conversávamos.

Falávamos todos ao mesmo tempo. Abríamos nossas bocas sem cerimônia alguma.

Tinha a impressão de ver os pensamentos, em forma de palavras, pulando de nossos tubos bocais, em constante movimento. Era um blablabá desbocado e sem regras.

A agudeza de algumas vozes penetrava em meus ouvidos sentidos. Pareciam como pequenas setinhas pontiagudas, ardidas, fininhas.

Sentia meus ouvidos ou tímpanos como tambores e isso parecia tudo muito esdrúxulo: “Não é assim, não é?”. Pensei comigo.

De tudo falávamos: futebol, manchas na pele, vida alheia, filho alheio, dores da vida, vida das coisas. Mas uma palavra se destacava demais e, de forma rítmica, pontuava a eloquência das vozes.

A palavra era “eu sempre”…“eu quero”…“eu não gosto”…“eu gosto”…. “eu estou”…

Parei de falar e passei a ouvir. Eram tantos “eus”, que a minha mente começou a transformá-los em carneirinhos.

Então pensei em contá-los. Não consegui. Tentei encontrar um padrão escondido em sua cadência. Mas logo me perdia, pois me envolvia com o som que as vozes iam produzindo em suas cantorias febris.

Vozes, sentimentos, palavras, carneirinhos, misturavam-se de forma frenética. Uma  grande torneira de onde jorravam formas e cores, numa marcha impressionante e vertiginosa.

Pensei, filosofando boba: “Acho que falamos tanto “eu”, pois precisamos sentir que existimos, nem que seja em forma de carneirinhos e por um momento que seja”.

Continuando meu devaneio – devaneio vindo de um corpo que era apenas dois ouvidos e um meio cérebro – comecei a pensar: “Para onde estão indo as palavras que falamos? Será que voam e saem pelas janelas abertas? Se evaporam, tornam-se o que?”.

“Será que um dia poderão ser úteis para o universo? Ou será que poderemos, no futuro, transformá-las em energia renovável?”.

“Ou será que caem no chão, transparentes ficam lá, e a gente vai pisando nelas?”.

“Podem ter cheiros e algumas têm. Será que nos ouvem?”.

Parei um pouco, olhei para o chão como que me certificando de que não estavam lá, pois não queria pisar nelas!

“Coitadas! Será que são seres vivos e conscientes? “. Não sei ao certo se voam, ouvem, pulam ou se são seres. Única coisa que eu sei é que carregam em sua forma de ser, grandes poderes.

Por Lu Paternostro



error: Conteúdo protegido!